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Um País de Extremos

  • Foto do escritor: Gabriella de Souza e Souza
    Gabriella de Souza e Souza
  • 15 de jun. de 2021
  • 4 min de leitura

Como o Brasil sustenta o título de Monumento à negligência social dado por Eric Hobsbawm em 1994.


Este post nasce da leitura do Capítulo 19 - Rumo ao Milênio, do livro Era dos Extremos de Eric Hobsbawm, associada a uma entrevista concedida por ele no ano de 1990, onde o historiador relata o quão perigosa é a capacidade humana de avançar por territórios antes pensados impossíveis e como isso poderia causar grandes tensões sociais capazes de fazer do "Novo Milênio" não tão novo assim.


Rumo ao Milênio

Os indícios de que o mundo no século XXI será melhor não são insignificantes. Se o mundo conseguir não se destruir [por exemplo, pela guerra nuclear] a probabilidade será bastante forte.

Com este parágrafo do livro "O longo século XIX" que Eric Hobsbawm conclui o capítulo tratado neste post que, de forma seccionada abordará questões relacionadas com o mundo, mas especificamente ao Brasil.


A Pandemia e o resultado de um Estado que pouco aprendeu


O histórico de negligência social presente no Brasil não é algo pontual. Esta realidade se torna ainda mais presente nas décadas de crise, pois as exigências sociais por necessidades básicas ficam ainda mais urgentes, no entanto, este momento também representa um ponto decisivo onde as autoridades públicas precisariam assegurar o bem-estar social da população a fim de que consigam evitar que o contraste causado pela desigualdade social se torne ainda mais concreto.


No Brasil, desde que o Sars-CoV-2, causador da Covid-19, chamou a atenção dos especialistas em todo o mundo, questões relacionadas ao meio-ambiente, saúde pública e manutenção da dignidade humana têm ganhado importância às vistas da população e, em contrapartida, total desinteresse por parte do Governo.


A crescente no número de infectados e mortos agrava e reflete o impacto que têm sofrido os sistemas de saúde no Brasil. Grupos vulneráveis cada vez mais expostos retratam a crise do sistema financeiro e reforçam a necessidade de um sistema que atue na sustentação econômica e mental da população. No país onde parte da população não tem meios de usufruir de bens essenciais como alimentação, transporte seguro e acesso à meios de manutenção da saúde, todo dia é dia de temer a morte e o adoecimento.


Ainda hoje, o Brasil conserva brilhantemente o seu título de monumento à negligência social e, como se não bastasse, pode-se ampliar a abrangência desse prêmio para a escala ambiental. Assim como temia o autor, temos um novo milênio com velhos problemas: ambientais, de Estado e sociais. Se esta década pode ser chamada de uma Década de Crise, ela, assim como as outras, ensina que distribuir a riqueza das nações em benefício social é a grande lição que precisa ser aprendida pelos órgãos competentes. Como vemos, o Brasil tem dado uma aula de "O que não fazer em tempos pandêmicos".


A pandemia nas comunidades indígenas, quilombolas e nas periferias

Comunidades quilombolas e comunidades indígenas têm como características a estruturação da vida em rotinas comunitárias. O conceito de afastamento social, de ficar em casa, não faz sentido pra elas, chegando a ser impraticável em muitas localidades.

Esta fala é do professor do Departamento de Informação e Cultura (CBD) Ivan Siqueira, em uma entrevista para o site da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Na entrevista, a discussão sobre como a situação de negligência da população pobre agravou ainda mais o índice da pobreza no Brasil. A má distribuição da riqueza e a impossibilidade de cumprir a premissa básica da pandemia de "ficar em casa" fez com que essas pessoas se pusessem em situações de risco a fim de evitar a dor latente e diária causada pela pobreza.


A marginalização sofrida por essas parcelas da sociedade durante o período que transcorreu - e continua - a pandemia, deixa claro a necessidade de se pensar políticas públicas que visem reparar o dano causado pela desigualdade social, política e cultural desses grupos étnico-raciais. O mundo ainda não foi destruído por uma guerra nuclear, como ironizou Hobsbawm em trecho citado no início deste post, mas essa destruição pode acontecer, se já não está acontecendo, de forma muito mais sutil e pouco perceptível para quem está no topo desta cadeia. A população tem morrido em massa por fome, falta de hospitais e sem condições básicas para viver. Assim como a vacina, que é a nossa única salvação para este período, ainda não está disponível pra todos os brasileiros e brasileiras por jogo político de interesses. Finalizo este post com mais uma fala do Professor Ivan Siqueira.

As meticulosas decisões políticas que prepararam as condições sociais que ampliaram desmesuradamente a possibilidade desse sacrifício são bem conhecidas. Nada muito diferente para um país tão desigual que já foi premiado com o título de “monumento à negligência social”. Eu atualizaria para “irresponsabilidade civil”.

Fiquem bem e, se possível, em casa.



REFERÊNCIAS


HOBSBAWM, Eric. Rumo ao milênio. In: Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 537-562.


Entrevista com Eric Hobsbawm. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DXnouPCSkik SILVA, Samantha Nascimento da. Mesma doença, efeitos desiguais: como favelas, comunidades quilombolas e indígenas lidam com a covid-19. Escola de Comunicação e Artes. São Paulo, 23 de abr. de 2020. Disponível em: <http://www3.eca.usp.br/noticias/mesma-doen-efeitos-desiguais-como-favelas-comunidades-quilombolas-e-ind-genas-lidam-com>. Acesso em: 13 de jun. de 2021. HALL, Michael. O século da barbárie. Folha de São Paulo. São Paulo, 7 de ago. de 1995. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/8/07/caderno_especial/6.html#:~:text=Neste%20item%20entra%20o%20Brasil,se%20na%20redução%20das%20desigualdades.> Acesso em: 13 de jun. de 2021


 
 
 

1 Comment


joel.felipe
Jul 06, 2021

Gabriella: reflexões oportuníssimas. Bom ler teu texto que traz referências ótimas para aproveitar em aula. Obrigado.

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